A edição de 2024 do Fórum E-commerce Brasil destacou-se pelas discussões inovadoras e insights profundos sobre o futuro da Inteligência Artificial (IA) no comércio eletrônico. O evento reuniu especialistas renomados que compartilharam suas visões e experiências sobre a evolução tecnológica e suas implicações nos negócios. A abertura do auditório de Tecnologia e Inovação foi marcada por uma palestra instigante de Miguel Nicolelis, neurocientista e professor, que apresentou uma perspectiva crítica sobre a IA, abordando desde sua definição até as consequências de sua aplicação desenfreada.
Complementando o debate, Yuri Ramos, diretor de Parcerias do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), trouxe uma visão prática sobre a implementação da IA nos negócios, destacando os desafios e oportunidades no contexto brasileiro. Este artigo explora as principais palestras sobre IA apresentadas no Fórum, oferecendo uma análise detalhada das ideias e reflexões que moldaram o evento.
A perspectiva de Miguel Nicolelis sobre a Inteligência Artificial
Miguel Nicolelis iniciou sua palestra com uma analogia provocativa: estudar a atividade de um único neurônio no cérebro humano é como tentar entender a floresta amazônica observando uma árvore de cada vez. Esse exemplo foi o ponto de partida para uma discussão profunda sobre a complexidade da mente humana e as limitações das atuais abordagens em IA. Nicolelis enfatizou que a verdadeira inteligência é uma propriedade emergente da matéria orgânica e não pode ser reduzida a códigos binários.
Ele compartilhou sua experiência de 40 anos na pesquisa sobre o cérebro, destacando a evolução das interfaces cérebro-máquina. Nicolelis argumentou que, apesar dos avanços, a IA não pode ser considerada uma verdadeira inteligência. Ele destacou que a IA atual é uma ferramenta poderosa para processar grandes volumes de dados, mas suas limitações são evidentes quando se trata de replicar a complexidade da mente humana.
Uma das principais críticas de Nicolelis foi dirigida à tendência de ver a IA como uma substituta da cognição humana. Ele ressaltou que, ao longo da história, o cérebro foi comparado a várias máquinas, desde motores a vapor até computadores, mas essas analogias falham em capturar a verdadeira natureza da mente. Para Nicolelis, a inteligência não é apenas analógica, mas também profundamente enraizada na neuroplasticidade do cérebro, a capacidade de se adaptar e evoluir constantemente.
Nicolelis também abordou o fenômeno do “data poisoning”, onde sistemas de IA que dependem de grandes quantidades de dados podem acabar se alimentando de dados sintéticos, desconectando-se da realidade. Ele alertou para os perigos de uma bolha de IA, onde o investimento contínuo em tecnologias de IA pode não resultar em lucros claros, levando a uma expansão insustentável do setor.
O neurocientista destacou a importância da agência intelectual e do movimento para a saúde cerebral. Ele compartilhou um exemplo prático de motoristas de táxi na Inglaterra, que desenvolvem um hipocampo maior devido à necessidade de memorizar rotas. Com o advento das tecnologias de navegação, essa habilidade está em declínio, ilustrando como a conveniência tecnológica pode impactar negativamente nossas capacidades cognitivas.
Nicolelis argumentou que a sociedade moderna é construída sobre abstrações do cérebro, como o valor atribuído ao dinheiro. Ele usou o exemplo de uma nota de vinte dólares, cujo valor real é apenas o custo do papel e da tinta, mas é socialmente aceito como valendo muito mais. Essa reflexão foi usada para destacar como a tecnologia deve ser vista não como um fim, mas como um meio para melhorar a vida humana.
Ao finalizar, Nicolelis enfatizou que a tecnologia, incluindo a IA, deve ser usada para potencializar a criatividade e a inovação humanas, não para substituí-las. Ele afirmou que nenhuma tecnologia resolverá os problemas da humanidade; ao contrário, é a própria humanidade que deve encontrar soluções para seus desafios, utilizando a tecnologia como uma ferramenta auxiliar.
A Visão prática de Yuri Ramos sobre a implementação da IA
Yuri Ramos trouxe uma perspectiva pragmática sobre a aplicação da IA nos negócios durante sua palestra no último dia do Fórum E-commerce Brasil 2024. Ramos, diretor de Parcerias do MIT, argumentou que o termo “transformação digital” já não captura a realidade atual, onde a “maestria digital” é mais apropriada. Ele explicou que a IA não deve ser vista apenas como uma ferramenta, mas como um catalisador de negócios, integrando-se profundamente nas operações e estratégias empresariais.
Ramos destacou que o Brasil enfrenta desafios únicos em comparação com os EUA, especialmente em termos de pesquisa e investimento em IA. No entanto, ele vê um potencial significativo na aplicação de IA para análise de dados e mídias sociais no e-commerce brasileiro. Ferramentas de IA podem ajudar a prever comportamentos e preferências dos consumidores, oferecendo uma vantagem competitiva para as empresas.
Ele também alertou para os perigos de uma implementação desmedida da IA, sugerindo que é crucial dosar sua aplicação e saber quando usá-la. Ramos enfatizou que a IA deve ser usada de forma responsável, evitando a criação de uma dependência excessiva que possa levar a uma desconexão da realidade.
O especialista reforçou a importância da qualificação dos funcionários para lidar com a IA. Empresas que investem em seus colaboradores, capacitando-os a entender e utilizar essas tecnologias de forma eficaz, serão aquelas que prosperarão no futuro. Ramos concluiu com uma mensagem otimista, afirmando que a chave para o sucesso na era da IA é a combinação de tecnologia avançada com a inteligência humana, criando um ambiente de inovação contínua.